Na última segunda-feira (7 de
setembro), como de praxe, fui à rua principal de Leopoldina, cidade em que
resido, participar do desfile em homenagem ao “Dia da Independência”. Como em
todos os anos, as escolas desfilam pela Rua Barão de Cotegipe, algumas apresentam
temas da atualidade, outras remetem a fatos da nossa história, como também,
várias exibem suas fanfarras – alegria de muitos alunos. Eu acompanhei a escola
pública onde atuo como Supervisora e mais uma vez fiquei a me questionar qual
seria o real significado deste evento pra todas aquelas pessoas ali presentes,
sejam as que desfilavam ou as que assistiam. Qual o sentimento que paira sobre
todos nós? Como nos vemos e nos percebemos num ato de civismo, no exercício de “patriota”?
Uma certeza eu tive: mudamos muito! Vou usar até de um clichê, “na minha época
era bem diferente!”. Mudanças são necessárias, mas o que nos diz a nossa
mudança?
Fiquei a lembrar de quando eu
como aluna passei por essa mesma rua, com o uniforme completo, marchando – sim
marchávamos, tínhamos até mesmo que ensaiar a marcha por vários dias que
antecediam o desfile, era como um rito, ainda em meio a regras rígidas, mas num
país que queria muito escrever uma nova história. Lembrei-me que por uma única vez
conseguimos desfilar com a camisa do nosso recém empossado Grêmio Estudantil –
parecia até um ato de subversão, era o nosso ato político, buscando ser
conscientes e atuantes no país em que crescíamos e que junto com nós se
desenvolvia. Inclusive esta era uma citação recorrente: “O Brasil é um país em
desenvolvimento”.
Sonhei muito com este país
desenvolvido. Sonhei com a inclusão dos considerados excluídos socialmente; sonhei
com a democracia política sendo exercida em plenitude; sonhei com a cultura, a
arte transbordando em nossas vidas, em todos os cantos e lugares; sonhei com a
poesia cantada em versos e prosas nas praças, quintais, varandas, jardins...;
sonhei com a música fazendo parte do currículo escolar; sonhei com a
diversidade nas escolas, nas ruas, sem distinção de raça, cor, gênero, crença
religiosa e por fim sonhei com um país em que todos sabiam ler, escrever e exerciam
sua cidadania e autonomia, letrados para a vida.
Vários dos meus sonhos eu
precisei reeditar ao longo da minha caminhada. Pra uns busquei justificativa; pra
outros fui entregando ao tempo; há os que eu procurei me aprofundar, tentando
compreender os fios que tecem e mantém a nossa “teia” social; frustrei-me e até
me indignei; em alguns momentos me esgotei; renovei forças, aprendendo novos
caminhos e formas de caminhar sem perder o foco donde chegar.
Mas nenhum destes sonhos gritou
tão forte em meus ouvidos como o que vivi quando voltava pra casa ao final do
Desfile Cívico pelo Dia da Independência, nessa última segunda-feira, 7 de
setembro de 2015. Passando no Supermercado, fui abordada por uma mulher (negra,
aparentando de quarenta a cinqüenta anos no máximo), me pedindo para achar
entre as prateleiras um xampu anti-caspa. Num primeiro momento pensei que ela
queria uma opinião sobre qual seria a melhor marca, mas logo depois ela completou
o pedido dizendo que NÃO SABIA LER e precisava muito do xampu. Mostrei a
mercadoria solicitada, ela me agradeceu com um sorriso e um certo acanhamento,
que não me pareceu ser por não saber ler, pois ela me disse isso com tanta
naturalidade que beirava o conformismo. Parecia incomodada pelo problema que
estava passando com os cabelos, mas a sua “independência” não estava pra ela
limitada ao domínio da leitura, mas “dependia” de sua disposição de pedir e
poder contar com o ledor, caso este também assim estivesse disposto.
Naquele dia comemorávamos o Dia
da Independência. Será que podemos realmente tocar arautos e gritar aos quatro
cantos que “somos uma Nação independente”? Onde está a nossa independência? Ela
está num ato simbólico, num ato político, numa convenção? – lembrando que em
termos econômicos a Declaração da Independência nos anos de 1822 nos custou
cara, já que o Brasil contraiu uma dívida com a Inglaterra, pra pagar os dois
milhões de libras esterlinas exigidas por Portugal pra “nos libertar”. Cento e
noventa e três anos deste ato e eu ouço num só dia dois gritos: um reafirmando e
reverenciando a Independência do Brasil e outro do povo brasileiro, que parece
nos dizer: “Ei, não sou independente, não tenho minha autonomia, estou excluído!”.
Acredito que uma Nação que ainda
segrega socialmente uma grande parcela de sua população, por muitos não serem alfabetizados
e ainda não letrados, precisa mudar o seu “grito” e trazer pra concretude o que
já há muito tempo deveria deixar de ser uma limitada e mera falácia ou um sonho
do qual nunca acordamos. Vale lembrar aqui, a insistente afirmação da educadora
Magda Soares: “ensinar por meio da
língua e, principalmente, ensinar a língua são tarefas não só
técnicas, mas também políticas” na “luta
contra as discriminações e as desigualdades sociais” (SOARES, 2000, p.79)
Desperta “Gigante pela própria natureza,
belo, forte e impávido colosso!
Acorda do sonho eterno em berço esplêndido!”
Acorda do sonho eterno em berço esplêndido!”
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