sexta-feira, 23 de maio de 2014

RESSACA CULTURAL, MORAL, CIDADÃ...

Posso afirmar que o sentimento que tem me assolado nos últimos dias é de RESSACA. É como se tivesse me embriagado por uma estética disforme, desfigurada, de um cenário trash, no qual eu me sinto uma intrusa ao mesmo tempo em que percebo que sou mais um dos coadjuvantes dessa “cena” chamada de Leopoldina, que como dizia o músico poeta*: “(...) sonora verdade (...) minha cidade”.

Não consigo no momento cantar todos os versos, pois seria por demais contraditório, no presente “ato”, dizer “mineira gostosa”, mas não me furtaria em destacar entre os versos a inspiradora constatação: “alienada em função do futuro (...)”.

Por que não “mineira gostosa”? Porque uma cidade em que lixos espalhados passaram a ser rotina em todos os bairros, ruas, cantos, disputados por cachorros e por jovens em brincadeiras nada agradáveis, não pode ser “gostosa”. Porque uma cidade em que os buracos são constantes nas ruas e nas calçadas, isso quando se tem calçadas, não pode ser “gostosa”. Porque uma cidade em que decepam árvores, arrancam história, desprezam a cultura e o patrimônio, não pode ser “gostosa”.

Fui surpreendida, há dias atrás, com uma cena que tem reverberado em minha memória e as vezes de súbito ela transborda em minha mente. Com isso percebi que precisava compartilhar o ocorrido e minhas indagações. Estava eu passando pela Rua Barão de Cotegipe, neste Município de Leopoldina, num início de noite quando ao parar pra conversar com amigas em frente a Casa/Museu em que viveu o poeta Augusto dos Anjos, percebi uma movimentação de pessoas, que pouco a pouco se dirigiam a árvore que existe em frente a referida casa e depositavam ali, aos seus pés, um saco de lixo. E quando me voltei para a árvore percebi que a base de seu tronco foi tomada por lixo. Foi quando uma das amigas chamou a atenção para observarmos as demais árvores da rua, em frente a outros logradouros e assim constatamos que não haviam sacos de lixo aos pés de outras árvores, ou seja, o local “escolhido” pelas pessoas para depositar o lixo foi exatamente na árvore em frente a única Casa/Museu que temos na cidade, uma das nossas referências patrimoniais, símbolo da cultura leopoldinense, reconhecida em inúmeros lugares, pelo importante acervo histórico e material do poeta paraibano Augusto dos Anjos.

Desde então venho me indagando sobre o significado desse ato. O quê realmente isso nos diz? Seria aquela “Casa” invisível às pessoas? Por que exatamente ali seria o local de colocar o lixo? Qual a representação simbólica daquele lugar, daquele espaço para as pessoas? Ou será que na verdade ela não representa nada para as pessoas, ao ponto de não ser percebida na sua qualidade de ícone da cultura local? Seria ela para as pessoas uma simples casa velha, em que não mora ninguém, por isso seria permitido depositarem ali o lixo? Outra hipótese que pensei é que talvez pela iluminação em frente a casa entenderam ser um bom local para colocar os sacos de lixo para a coleta pelos lixeiros e desavisadamente não teriam percebido que estão “promovendo” a Casa, em que o poeta Augusto dos Anjos passou seus últimos dias, a lixeira da rua. Percebi que tudo isso produziu em mim um misto de indignação, com admiração e até mesmo um silêncio profundo que me congelou e precisei de alguns dias pra conseguir soltar minha voz e falar sobre isso.
 

O que acontece na Leopoldina em que vivemos? O que estamos produzindo? Qual é nossa verdadeira tradição e o que é cultura pra nós? E por fim, por que jogam lixo em frente a Casa/Museu em que viveu o poeta Augusto dos Anjos????






*(Fragmentos dos versos do Músico/Poeta: Serginho do Rock)