terça-feira, 31 de dezembro de 2019

QUAL O REAL VALOR DA EDUCAÇÃO?!

Quais seriam os parâmetros de uma sociedade para demonstrar o índice de valorização das diversas áreas e instituições? Há de se considerar os investimentos, os recursos destinados, a prioridade nas políticas de governo... Mas creio que um dos parâmetros que mais significativamente reflete o nível de valorização é a forma como os profissionais que atuam nessas áreas são considerados na sociedade e como a força de trabalho destes é valorada pelos gestores. Observando a forma como lidamos com os profissionais que se habilitam para essa ou aquela área, compreendemos o que tem valor pra nós, ou as áreas que são mais preponderantes, até mesmo as que se sobressaem pelas conjunturas sociais em que nos encontramos. 

Na área de saúde, por exemplo, pela própria expectativa da nossa vulnerabilidade, no limiar entre a vida e a morte, nós já alçamos, por livre expressão, os profissionais da medicina, a categoria de Doutores, independentes de já terem alcançado tal grau, pelo percurso acadêmico. Fato é também, que a profissão de médico, traz consigo algumas prerrogativas, quase que pelo senso comum, que justifica a necessidade de uma melhor remuneração, que nem prescinde de tantas justificativas. Outra área que também se beneficia de convenções sociais é a área jurídica. Os advogados tem o título de Doutor garantido em uma lei da época do Império (1827), que lhes faculta essa prerrogativa, também sem a necessidade da formação correspondente ao grau. Alguém que conclua seu bacharelado em Direito, que pelo exame da Ordem dos Advogados tem sua credencial para advogar, já pode ser chamado de Doutor - "por direito e tradição" - e ostentar o título em seu carimbo, placa do escritório... Também nas funções e cargos típicos  de quem tem essa formação como no Judiciário, Ministério Público, os privilégios, além da remuneração regular, garantem um status considerável na nossa sociedade.

E o que dizer dos que ocupam cargos políticos, principalmente os congressistas? Muitos destes nem formação específica tem, ou seja, não há uma exigência de formação acadêmica ou comprovação técnica para se ocupar cargos eletivos. Mas nesse caso, além de não ser necessário, possibilita uma das condições mais favoráveis em termos de remuneração, vantagens, privilégios, blindagens... O título de Deputado pressupõe pra muitos o tratamento diferenciado. 

E na área de Educação, como isso se dá? No inverso da lógica social, na contramão de outras áreas, os profissionais da educação vivem um desprivilégio. Há tempos que o status da profissão de professor despencou, caindo de um patamar, em que numa época remota pairava um orgulho nas famílias em dizer que seus filhos, pai, mãe.... eram "Professores", para situações em que a escolha dessa profissão vem muitas vezes, carregada de reprovação dos mais próximos ou da preocupação destes, pelas dificuldades que a pessoa que escolhe assumir a profissão vai ter que enfrentar. Nesse despencar do status quo da profissão de professor, estamos nós profissionais da educação alijados a uma situação de desprezo social, em que nossas vozes não encontram eco. Também no revés das outras profissões citadas, os professores, mesmo construindo um árduo percurso acadêmico, em anos de estudo para concluir um doutorado até mesmo o pós doutorado, dificilmente, serão chamados de doutores, fora do mundo acadêmico, dos bancos universitários.

Esta reflexão nos leva a um outro questionamento: Como vemos a Educação? Qual o lugar que ela ocupa na nossa sociedade? Como entendemos os processos educacionais? Qual o valor que a Educação tem na nossa sociedade? Entendemos o verdadeiro significado da Educação no nosso contexto social? Se considerarmos que a Educação é o processo que produz gente, responsável pela formação humana, deveríamos entender que todos os demais processos sociais dependem da Educação, que todos os demais profissionais são "formados" através dos bancos escolares e seus respectivos mestres / professores. Uma sociedade que entende e se apropria dessa ideia e contexto, sabe que todas as demais estruturas sociais são impactadas pela Educação. Nessa lógica a Educação seria sim, preponderante sobre a Saúde, a Segurança Pública, a Justiça e a Política. Uma sociedade que valoriza os processos educacionais, sabe que assim garante menos gasto com saúde, menos problemas de segurança, uma justiça realmente mais justa e uma política que promove o bem comum.

Não é uma situação de desprivilegiar as demais áreas ou não reconhecer as dificuldades que os demais profissionais enfrentam, pois é notório que em nossa sociedade, muitas posições que outrora lograram situações mais confortáveis, hoje vivem suas agruras pelo próprio contexto social que tem se desenhado diante de nós. Dilatando nosso olhar e escuta há de se reconhecer o valor e lugar de cada um na estrutura social, sabendo que todas as peças tem seu fundamental lugar na engrenagem que move nossa sociedade, a diferença, fica por conta das engrenagens que mais rodam e as que fazem as outras rodarem.

Mas a sociedade atual deixou de reconhecer o valor da Educação na sua plena dimensão. Professoras e Professores precisam estar rotineiramente lutando pelo reconhecimento, vivem situações extremas de desrespeito a profissão, clamam por melhores salários e condições profissionais. Quando um governos escolhe pagar em último lugar os profissionais da Educação, entre os demais, quando os profissionais da Segurança Pública recebem seus salários e os da Educação não, pois só receberão parceladamente e em valores de parcelas ainda menores que os da Saúde, é difícil acreditar que estes profissionais tem valor nesse sistema, é difícil acreditar em qualquer que sejam as falas, justificativas (injustificáveis). E quando a sociedade não se manifesta, quando esse acontecimento parece não impactar nas demais pessoas, é difícil se sentir valorizado e acreditar que a Educação é prioridade, ou que as pessoas entendem a sua real importância...

Desejo tempos renovados, em que a Educação recupere seu patamar de valor, só assim poderemos acreditar em TEMPOS MELHORES...


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Ref.: Imagens Google

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

NÃO SOMOS PAULOFREIREANOS...

Os preocupados em achincalhar o nome de Paulo Freire, por imputar nele a culpa por fracassos na Educação, podem se poupar de tais atos, pois se tem uma coisa que não demos conta, que não soubemos valorizar, foram os ensinamentos e a ação pedagógica pautada num suposto Método Paulo Freire. 

Se realmente tivéssemos incorporado o que tentou nos ensinar Paulo Freire, não estaríamos amargando o que agora vivenciamos no nosso país. Se tivéssemos entendido o que o renomado Educador, reconhecido internacionalmente, nos legou, hoje não teríamos tantas pessoas alienadas, com dificuldade de interpretar nosso percurso histórico e entender nossos constructos sociais. Desde a década de 1970, quando Freire nos brindou com duas fortes reflexões com o livro "Pedagogia do Oprimido" e "Educação como Prática da Liberdade", e esse movimento nos pareceu tão claro, tão óbvio diante da realidade que vivíamos, em momentos de repressão, ou seja, a Educação como o caminho e a possibilidade de nos libertarmos de modelos opressores e alienantes (Educação bancária, mecanicista). A fala de Paulo Freire iluminou nossos pensamentos, nos empolgou, mas podemos dizer que não emplacou, na dimensão que precisaríamos, pra garantir o desenvolvimento de uma sociedade mais igualitária, que garantisse justiça social, inclusão e acesso a todas as pessoas, sem distinção.

Quando analisamos a trajetória da apropriação das teorias e práticas freireanas, nos cursos de formação pedagógica, percebemos que uma das referências mais presente, nos últimos tempos, ou seja, do final da década de 1990, início de 2000, é do livro "Pedagogia da Autonomia" (1996), presença quase que obrigatória nos programas, ementas, referências bibliográficas. Mas se mesmo assim, a crítica e rechaço a Paulo Freire passou a ser a onda da vez, percebe-se um desconhecimento da essência, de tudo que ele deixou como registro de suas ideias e práticas. Se conseguíssemos trazer de verdade para o nosso dia a dia nas escolas o que está descrito neste livro em especial, como um guia para nossa pratica como educadores, não estaríamos ainda tão confusos e perdidos nos nossos fazeres, nos questionando ainda sobre que tipo de educação queremos, ou como vamos inovar. 

Paulo Freire organizou as ideias no livro Pedagogia da Autonomia em três capítulos intitulados: (1) Não há docência sem discência; em que fala dos saberes demandados pela prática educativa em si mesma, ou seja, o que sabemos ser fundamental, básico na lida de um professor; (2) Ensinar não é transferir conhecimento; aqui Freire fala-nos da coerência entre teoria e prática, em que o "discurso sobre a Teoria deve ser o exemplo concreto, prático, da teoria, como sua encarnação", ao falarmos de construção de conhecimento, já precisamos estar envolvidos diretamente nessa construção; (3) Ensinar é uma especificidade humana. O texto, reafirma os saberes da docência, a necessidade da nossa organização enquanto profissionais da Educação, da busca pela competência técnica, de forma responsável, com a consciência que a tarefa do educador não pode ser na irresponsabilidade de fazer o "mais ou menos", ou agir no improviso, mas assumir o que ele destaca no capítulo 1, afirmando que "Ensinar exige rigorosidade metódica".

A ética do educador pressupõe essa busca dos saberes, a disposição do aprender, para se desenvolver tanto a competência técnica como a competência humana, acreditar nas possibilidades e agir. E para isso é fundamental a consciência de sociedade, de como as nossas relações se desenvolvem numa sociedade em que o oprimido ainda cede ao opressor. Enquanto convivemos passivamente com a extrema desigualdade social, não podemos dizer que somos "paulofreireanos", ou que assimilamos seus ensinamentos e os incorporamos em nossas práticas. 

Felizes os que assumem e promovem a "Pedagogia da Autonomia" e não cedem aos processos de massificação. Estes já despertaram do sonho alienante de imputar culpa em que tem a solução.

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REFERÊNCIA: 
FREIRE, Paulo. Pedagogia do OprimidoSão Paulo: Paz e Terra, 2019 (69ª edição).
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da LiberdadeSão Paulo: Paz e Terra, 1967.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
Imagens do Google