segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

NÃO SOMOS PAULOFREIREANOS...

Os preocupados em achincalhar o nome de Paulo Freire, por imputar nele a culpa por fracassos na Educação, podem se poupar de tais atos, pois se tem uma coisa que não demos conta, que não soubemos valorizar, foram os ensinamentos e a ação pedagógica pautada num suposto Método Paulo Freire. 

Se realmente tivéssemos incorporado o que tentou nos ensinar Paulo Freire, não estaríamos amargando o que agora vivenciamos no nosso país. Se tivéssemos entendido o que o renomado Educador, reconhecido internacionalmente, nos legou, hoje não teríamos tantas pessoas alienadas, com dificuldade de interpretar nosso percurso histórico e entender nossos constructos sociais. Desde a década de 1970, quando Freire nos brindou com duas fortes reflexões com o livro "Pedagogia do Oprimido" e "Educação como Prática da Liberdade", e esse movimento nos pareceu tão claro, tão óbvio diante da realidade que vivíamos, em momentos de repressão, ou seja, a Educação como o caminho e a possibilidade de nos libertarmos de modelos opressores e alienantes (Educação bancária, mecanicista). A fala de Paulo Freire iluminou nossos pensamentos, nos empolgou, mas podemos dizer que não emplacou, na dimensão que precisaríamos, pra garantir o desenvolvimento de uma sociedade mais igualitária, que garantisse justiça social, inclusão e acesso a todas as pessoas, sem distinção.

Quando analisamos a trajetória da apropriação das teorias e práticas freireanas, nos cursos de formação pedagógica, percebemos que uma das referências mais presente, nos últimos tempos, ou seja, do final da década de 1990, início de 2000, é do livro "Pedagogia da Autonomia" (1996), presença quase que obrigatória nos programas, ementas, referências bibliográficas. Mas se mesmo assim, a crítica e rechaço a Paulo Freire passou a ser a onda da vez, percebe-se um desconhecimento da essência, de tudo que ele deixou como registro de suas ideias e práticas. Se conseguíssemos trazer de verdade para o nosso dia a dia nas escolas o que está descrito neste livro em especial, como um guia para nossa pratica como educadores, não estaríamos ainda tão confusos e perdidos nos nossos fazeres, nos questionando ainda sobre que tipo de educação queremos, ou como vamos inovar. 

Paulo Freire organizou as ideias no livro Pedagogia da Autonomia em três capítulos intitulados: (1) Não há docência sem discência; em que fala dos saberes demandados pela prática educativa em si mesma, ou seja, o que sabemos ser fundamental, básico na lida de um professor; (2) Ensinar não é transferir conhecimento; aqui Freire fala-nos da coerência entre teoria e prática, em que o "discurso sobre a Teoria deve ser o exemplo concreto, prático, da teoria, como sua encarnação", ao falarmos de construção de conhecimento, já precisamos estar envolvidos diretamente nessa construção; (3) Ensinar é uma especificidade humana. O texto, reafirma os saberes da docência, a necessidade da nossa organização enquanto profissionais da Educação, da busca pela competência técnica, de forma responsável, com a consciência que a tarefa do educador não pode ser na irresponsabilidade de fazer o "mais ou menos", ou agir no improviso, mas assumir o que ele destaca no capítulo 1, afirmando que "Ensinar exige rigorosidade metódica".

A ética do educador pressupõe essa busca dos saberes, a disposição do aprender, para se desenvolver tanto a competência técnica como a competência humana, acreditar nas possibilidades e agir. E para isso é fundamental a consciência de sociedade, de como as nossas relações se desenvolvem numa sociedade em que o oprimido ainda cede ao opressor. Enquanto convivemos passivamente com a extrema desigualdade social, não podemos dizer que somos "paulofreireanos", ou que assimilamos seus ensinamentos e os incorporamos em nossas práticas. 

Felizes os que assumem e promovem a "Pedagogia da Autonomia" e não cedem aos processos de massificação. Estes já despertaram do sonho alienante de imputar culpa em que tem a solução.

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REFERÊNCIA: 
FREIRE, Paulo. Pedagogia do OprimidoSão Paulo: Paz e Terra, 2019 (69ª edição).
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da LiberdadeSão Paulo: Paz e Terra, 1967.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
Imagens do Google 

2 comentários:

Jamili Vargas disse...

Inspiração este texto! Parabéns!

Claudia Conte disse...

Obrigada prima!! Incomoda ver as pessoas falarem mal de Paulo Freire sem conhecê-lo