quinta-feira, 10 de setembro de 2015

7 de SETEMBRO – INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

Na última segunda-feira (7 de setembro), como de praxe, fui à rua principal de Leopoldina, cidade em que resido, participar do desfile em homenagem ao “Dia da Independência”. Como em todos os anos, as escolas desfilam pela Rua Barão de Cotegipe, algumas apresentam temas da atualidade, outras remetem a fatos da nossa história, como também, várias exibem suas fanfarras – alegria de muitos alunos. Eu acompanhei a escola pública onde atuo como Supervisora e mais uma vez fiquei a me questionar qual seria o real significado deste evento pra todas aquelas pessoas ali presentes, sejam as que desfilavam ou as que assistiam. Qual o sentimento que paira sobre todos nós? Como nos vemos e nos percebemos num ato de civismo, no exercício de “patriota”? Uma certeza eu tive: mudamos muito! Vou usar até de um clichê, “na minha época era bem diferente!”. Mudanças são necessárias, mas o que nos diz a nossa mudança?

Fiquei a lembrar de quando eu como aluna passei por essa mesma rua, com o uniforme completo, marchando – sim marchávamos, tínhamos até mesmo que ensaiar a marcha por vários dias que antecediam o desfile, era como um rito, ainda em meio a regras rígidas, mas num país que queria muito escrever uma nova história. Lembrei-me que por uma única vez conseguimos desfilar com a camisa do nosso recém empossado Grêmio Estudantil – parecia até um ato de subversão, era o nosso ato político, buscando ser conscientes e atuantes no país em que crescíamos e que junto com nós se desenvolvia. Inclusive esta era uma citação recorrente: “O Brasil é um país em desenvolvimento”.

Sonhei muito com este país desenvolvido. Sonhei com a inclusão dos considerados excluídos socialmente; sonhei com a democracia política sendo exercida em plenitude; sonhei com a cultura, a arte transbordando em nossas vidas, em todos os cantos e lugares; sonhei com a poesia cantada em versos e prosas nas praças, quintais, varandas, jardins...; sonhei com a música fazendo parte do currículo escolar; sonhei com a diversidade nas escolas, nas ruas, sem distinção de raça, cor, gênero, crença religiosa e por fim sonhei com um país em que todos sabiam ler, escrever e exerciam sua cidadania e autonomia, letrados para a vida.

Vários dos meus sonhos eu precisei reeditar ao longo da minha caminhada. Pra uns busquei justificativa; pra outros fui entregando ao tempo; há os que eu procurei me aprofundar, tentando compreender os fios que tecem e mantém a nossa “teia” social; frustrei-me e até me indignei; em alguns momentos me esgotei; renovei forças, aprendendo novos caminhos e formas de caminhar sem perder o foco donde chegar.

Mas nenhum destes sonhos gritou tão forte em meus ouvidos como o que vivi quando voltava pra casa ao final do Desfile Cívico pelo Dia da Independência, nessa última segunda-feira, 7 de setembro de 2015. Passando no Supermercado, fui abordada por uma mulher (negra, aparentando de quarenta a cinqüenta anos no máximo), me pedindo para achar entre as prateleiras um xampu anti-caspa. Num primeiro momento pensei que ela queria uma opinião sobre qual seria a melhor marca, mas logo depois ela completou o pedido dizendo que NÃO SABIA LER e precisava muito do xampu. Mostrei a mercadoria solicitada, ela me agradeceu com um sorriso e um certo acanhamento, que não me pareceu ser por não saber ler, pois ela me disse isso com tanta naturalidade que beirava o conformismo. Parecia incomodada pelo problema que estava passando com os cabelos, mas a sua “independência” não estava pra ela limitada ao domínio da leitura, mas “dependia” de sua disposição de pedir e poder contar com o ledor, caso este também assim estivesse disposto.

Naquele dia comemorávamos o Dia da Independência. Será que podemos realmente tocar arautos e gritar aos quatro cantos que “somos uma Nação independente”? Onde está a nossa independência? Ela está num ato simbólico, num ato político, numa convenção? – lembrando que em termos econômicos a Declaração da Independência nos anos de 1822 nos custou cara, já que o Brasil contraiu uma dívida com a Inglaterra, pra pagar os dois milhões de libras esterlinas exigidas por Portugal pra “nos libertar”. Cento e noventa e três anos deste ato e eu ouço num só dia dois gritos: um reafirmando e reverenciando a Independência do Brasil e outro do povo brasileiro, que parece nos dizer: “Ei, não sou independente, não tenho minha autonomia, estou excluído!”.

Acredito que uma Nação que ainda segrega socialmente uma grande parcela de sua população, por muitos não serem alfabetizados e ainda não letrados, precisa mudar o seu “grito” e trazer pra concretude o que já há muito tempo deveria deixar de ser uma limitada e mera falácia ou um sonho do qual nunca acordamos. Vale lembrar aqui, a insistente afirmação da educadora Magda Soares: “ensinar por meio da língua e, principalmente, ensinar a língua são tarefas não só técnicas, mas também políticas” na “luta contra as discriminações e as desigualdades sociais” (SOARES, 2000, p.79)

Desperta “Gigante pela própria natureza, belo, forte e impávido colosso! 
Acorda do sonho eterno em berço esplêndido!” 

segunda-feira, 16 de março de 2015

POR QUE TANTO ÓDIO?

Encerrei este dia 15 de março de 2015 com um desconforto em relação ao que assisti através dos meios de comunicação e uma indagação: POR QUE TANTO ÓDIO?

Manifestações populares deveriam ser encaradas com naturalidade em um país democrático, como o natural exercício da nossa cidadania, confrontando ideias, opiniões e concepções políticas. No mundo das ideias as pessoas não deveriam ter posturas tão agressivas como muitas das que ocorreram nas ruas. POR QUE TANTO ÓDIO?

Vi pessoas levantando faixas com símbolos nazistas; vi pessoas empunhando cartazes desejando a morte de outras; vi bonecos pendurados pelo pescoço em viadutos, representando a presidente Dilma e o ex-presidente Lula - me fez lembrar as imagens da tradicional "malhação do judas", entre os eventos da Semana Santa; também vi inúmeras faixas e cartazes clamando por "intervenção militar", inclusive entre os jovens, parecendo um devaneio ensandecido, um completo reverso do movimento natural de evolução e amadurecimento dos regimes democráticos; vi mulheres segurando frases do tipo "Feminicídio sim" - e não entendi nada. POR QUE TANTO ÓDIO?

Sejam quais forem as forças e influências que arregimentaram os protestos deste dia 15 de março, mesmo que entre muitas pessoas levadas por essa "onda", a intenção seja a de querer um país melhor, sem corrupção, a de provocar a reflexão e as mudanças necessárias cobrando dos poderes aquilo que os compete, pairou sobre os manifestantes uma nuvem de ódio, fomentada pelos que destilaram sua raiva projetando-a principalmente na figura da presidente, quase que como uma rusga pessoal.

Em meio aos nossos conflitos sociais, em que tem prevalecido a intolerância, seja por diferença de gênero, cor, sexualidade, religião, entre outros, talvez não seja tão difícil entender o porque da "mulher" presidente do país ser o grande alvo. Por pouco os manifestantes não cantaram um dos clássicos do grande Chico Buarque: "(...) Joga a pedra na Geni, joga bosta na Geni, ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspi (...) maldita Geni!". Mas não faltou o popular e chulo "Vai tomar no (c)!". Em alguns momentos eu não sabia se assistia a uma manifestação popular ou a um grande escárnio público.

O que resultou esta raiva contida? O que mais incomoda? Incomoda estar na presidência do país uma mulher? Incomoda esta mulher não estar dentro dos padrões de beleza institucionalizados para a "mulher brasileira"? Incomoda ter que tolerar pessoas com renda mais baixa frequentando lugares outrora limitado a alguns privilegiados? Incomoda a luta pelas igualdades sociais?  Incomoda que esta presidente além de ser mulher tenha um passado de luta e perseguição política no período da ditadura militar e ter sido colocada no rol dos comunistas que "mancharam" o país de vermelho? Ou incomoda a corrupção e os vultuosos desvios de dinheiro público promovendo o enriquecimento ilícito dos operadores dos "grandes esquemas" e dos beneficiários deles? Este último incomoda a todos nós. Mas diz respeito a vários outros personagens deste trágico e triste enredo. Mas parece ser mais fácil escolher um "judas", bom neste caso em particular, "uma judas".

Em meio a essa explosão de sentimentos, colocando muitos a "flor da pele", é comum que a cegueira e a surdez se instalem de forma generalizada e o discernimento se perca. Assim a "onda" vem arrastando muitos, na avalanche de interesses ocultos que estrategicamente vão puxando as cordas das marionetes, no jogo dos poderes, na roda viva do capitalismo desenfreado, que traz a frente os que já do alto do pedestal - pelo grande poder econômico que possuem - se recusam a descer um pouco que seja, mesmo que fosse só a direção do seu olhar. Como poucas andorinhas "não vão fazer verão", o arrebatamento precisa ser volumoso e pra isso, contam com um grande poder em mãos: as mídias de comunicação, que sempre vão promover o que por si mesmo institucionalizam como verdade.

Como um nostálgico contraste, neste dia 15 de março de 2015, completamos 30 anos do fim da ocupação militar no governo brasileiro. Foi em 15 de março de 1985, que o Sr. José Sarney assumiu a presidência do Brasil, no lugar daquele que havia sido escolhido pelo Colégio Eleitoral, o Sr. Tancredo Neves, mas que por um infortúnio, foi hospitalizado neste mesmo dia.

Trinta anos depois desse significativo episódio para a consolidação do nosso processo democrático, deveríamos comemorar a trajetória política até aqui delineada e construída. Mas me pareceu estarmos mais para a alienação histórica do que para a consciência do nosso percurso enquanto Nação em desenvolvimento. Talvez, ao gritar nas ruas para retrocedermos a ocupação militar, as pessoas estejam a entender que seria este um "caminho mais fácil", já que receber ordens para muitos parece ser mais fácil que pensar, formar suas próprias ideias, tomar decisões, participar de assembleias, conviver coletivamente, discutir, escolher... Mas entre receber ordens e obedecer há uma distância considerável e que só pode ser exercida quando temos liberdade pra isso, mediando pela argumentação. Mas depois que abrirmos mão da nossa democracia e entregarmos aos militares o poder, onde estará a nossa LIBERDADE?

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

CASA GRANDE E SENZALA – FRANÇA, NIGÉRIA, NAZISMO – O QUE TEMOS NÓS COM ISTO?

Nos últimos dias os atentados na França tomaram os noticiários e demais veículos de comunicação. Mas o que tem reverberado em meus pensamentos são as seguintes questões: “Por que parece que nos comovemos muito mais com os atentados na França que mataram 17 pessoas, do que com as 2 mil mortes nos últimos atentados terroristas na Nigéria?”; “Por que a pouca divulgação e mobilização em relação ao que vem acontecendo ostensivamente na Nigéria?”.

A primeira imagem que me saltou na mente como uma possível resposta foi o ícone da “Casa Grande e Senzala”. Longe de achar que não temos que nos consternar com as perdas de vidas na França em atos de violência terrorista e a ameaça a liberdade de expressão, mas o que vem absurdamente acontecendo na Nigéria, que de forma extremada avilta a nossa própria condição de convivência humana, pela quantidade de mortes; pelo tempo em que vem ocorrendo; pela crueldade com que as vidas são ceifadas; pelo completo desrespeito aos Direitos Humanos, deveria ter ocupado os meios considerados “nobres” de comunicação, a chamada “grande mídia”, tanto para nos informar mais sobre as ocorrências quanto para demonstrar a resposta do mundo aos fatos.

O que incomoda é o fato de que as atrocidades que vem acontecendo na Nigéria desde o ano de 2009 – somando um contingente aproximado de 10 mil mortes, além de ações como sequestros de 100 mulheres, uso de crianças para portar bombas em ataques, fechamento de escolas, entre outros – não tenham sido, até o presente momento, objeto de uma mobilização mundial como a ocorrida após um único ataque na França. Pra termos uma idéia da gravidade do que vem ocorrendo na Nigéria, segundo as autoridades, é uma crise humanitária em que mais de três milhões de pessoas são afetadas. “A insurgência no nordeste da Nigéria, travada pelo grupo militante islâmico Boko Haram, é hoje uma das campanhas mais mortíferas na África” (2015, BBC África).

Mas o que está oculto nessa história? Por que foi preciso que algumas personalidades – a exemplo do Arcebispo Ignatius Kaigama dizendo que “a mobilização internacional contra o extremismo não pode ocorrer somente quando há um ataque na Europa” – e alguns grupos se manifestassem, reclamando a pouca atenção à região africana para que algumas notícias e chamadas em jornais, e até mesmo uma reportagem no programa Fantástico (Rede Globo), dissesse algo sobre as ações do Boko Haram na Nigéria? Volto a dizer, só consegui respostas considerando o mito da “Casa Grande e Senzala”. Não vencemos esse mito, que parece ainda estar arraigado em nós. A Europa, a França representa a Casa Grande dos Senhores, dos “patrões”, dos mandatários e a Nigéria não passa da Senzala, da Casa dos Escravos, do negro servil ao homem branco. Nessa lógica – sem lógica alguma em termos de relações humanas e diversidade cultural –, pra que vamos nos preocupar tanto com esses negros? Exemplo disso foi o que ouvi da boca de alguém que se diz “intelectual”: “Morrem muitos na África, mas são muitos e eles são tão ignorantes, matam-se uns aos outros e agora aderiram ao extremismo do Estado Islâmico, sinal de pouca cultura, de pouco entendimento”. Essa expressão “são muitos” quer nos dizer o quê?

Que justifica-se o massacre pela quantidade de pessoas que vivem por lá? Dizer que se matam uns aos outros, quem são os outros, quem somos nós? Não somos todos um único povo, uma única aldeia, ou o discurso da globalização só é preponderante pela conveniência do momento e da situação da vez? Dizer que são ignorantes, facilmente influenciáveis é muito cômodo, pois nada mais é do que renegá-los a uma condição de inferioridade como sempre fizemos. Quem teria que responder pelos poucos investimentos em desenvolvimento nesses países?

A Europa hoje decadente economicamente – e que se fez pela colonização exploratória no passado de outros países, entre eles, países do continente africano –, inclusive dependendo hoje da mão de obra de imigrantes negros, insiste, pela nossa própria condescendência, em ser “superior” – até mesmo na dor. Lembrei-me de alguns colegas moçambicanos da turma do Mestrado que sempre reclamavam da nossa visão estereotipada em relação a eles, como se todos lá vivessem em tribos, pois as perguntas a eles direcionadas eram na maioria das vezes sobre as savanas, pouco era lembrado da vida urbana de Moçambique, comum a todas as cidades grandes com suas intempéries.

Hoje, dia 27 de janeiro, “Dia Internacional da Lembrança do Holocausto”, em que rememoramos o genocídio nazista em massa contra os judeus (e também a outros como: ciganos, poloneses, comunistas, homossexuais, prisioneiros de guerra soviéticos e deficientes físicos e mentais), com uma estimativa de 11 milhões de mortes, é pra nós uma fundamental referência para refletirmos sobre as atuais mortes e guerras por grupos extremistas no mundo. Intolerância, discriminação, preconceito e a utópica possibilidade de uma classificação da humanidade entre “raças” superiores, ou o que agora tem sido tão insistente, uma ideologia política e religiosa superior. A eterna justificativa “dos meios pelos fins” e nestes casos, fins nada nobres e meios ainda mais absurdos. Mas o que se destaca em meio as minhas preocupações é que as ações de Hitler e seus seguidores nazistas foi uma loucura assumida, anunciada e propagada e hoje, ao mesmo tempo em que apontamos os extremistas radicais da atual sociedade, nas diferentes partes do mundo, não estamos fazendo o exercício de buscar em nós os nossos próprios extremismos, nossas próprias ideologias e crenças. Essa revisão tem que acontecer, para o bem de todos nós e pela saúde de nossa sociedade mundial. Mas ela tem que partir da seguinte indagação direcionada a cada um de nós:

“O QUE REALMENTE ME INCOMODA?”
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REFERÊNCIA

CHOTHIA, Farouk. Boko Haram: como os militantes nigerianos ficaram tão poderosos?. BBC África. 2015. Disponível em <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/01/150126_boko_analise_lk> Acesso jan 2015

IMAGENS (disponíveis na internet, pesquisa por imagem, www.google.com):
- Engenho Noruega - ilustração de Cícero Dias - Casa-Grande & Senzala (FREIRE, Gilberto. 1993)
- Boko Haram demands prisioner swap for kidnapped girls (www.dailymail.co.uk)
- Dia do Holocausto (www.aquieuaprendi.blogspot.com)