quarta-feira, 9 de março de 2016

O DIA SEGUINTE AO "DIA INTERNACIONAL DA MULHER"

E passamos o dia 8 de março - "Dia Internacional da Mulher", com muitas mensagens, piadas, reportagens, algumas manifestações, enfim, movimentação. O dia se foi e a partir de hoje, como será? O que muda, ou melhor, alguma coisa muda? Sabemos da importância de datas representativas, que dão visibilidade a questões fundamentais de serem lembradas na nossa sociedade, que destacam pessoas com trajetórias de vida exemplares. Além da vitrine, o sentimento de valorização é outro ponto estratégico de se eleger no calendário dias como este. E se considerarmos o que as pesquisas e estatísticas sobre a situação da mulher na atualidade nos dizem, é significativa sim esta lembrança e os espaços de discussão que são criados a partir da data.

Mas junto a tudo isso, outro sentimento me incomoda, a sensação de diluição de todo essa movimentação; a possibilidade de ficar no tempo, de se transformar em simples lembrança as mensagens, os cumprimentos, as brincadeiras, as manifestações e tudo mais. E o que temos de concretude deste momento? Se é que é pra ter algo concreto, pois fico com a sensação de que vamos nos rendendo a essa movimentação fácil de se propagar pelas redes sociais e numa fluidez superficial, a essência se esvai...

Percebemos outros movimentos como promoções de Semana da Mulher, com programações de moda, palestras educativas, na saúde prevenção, lazer, entre outros. Momentos de valia na abertura de espaços mais representativos da identidade "mulher" na sociedade.

Mas e a partir de hoje, e na próxima semana? Quantos de nós temos a real dimensão do que representa o universo "ser mulher"? Podemos nos ater em muitas informações mundo afora se considerarmos as diferentes culturas e a história das diversas sociedades, mas se ficarmos com a realidade do Brasil, já temos muito a refletir. Podemos escolher por exemplo, o panorama da violência contra a mulher no Brasil. Informações como estas, leva-nos a olhar com outros olhos para as flores enviadas neste dia 8, em tantos cartões e mensagens. Não que elas não sejam bem vindas, pois diz-se popularmente: "Qual mulher não gosta de ganhar flores?" - as flores como o ícone da conquista masculina - um dos cartões que circulou ontem trazia a imagem do ator Richard Gere segurando uma rosa na iconográfica cena do filme Uma Linda Mulher - versão moderna da gata borralheira, no caso, da prostituta que consegue encontrar seu príncipe encantado, ou seja, 'salva' pelo homem que detém o poder econômico, que escolhe a parceira ideal, que de certa forma manda na própria escolha da mulher.

Olhando mais especificamente pra realidade brasileira, hoje o mapa da violência contra a mulher aponta um Brasil¹ em que 38,72% das mulheres brasileiras em situação de violência, sofrem diariamente com essa violência, sendo que 85,85% é violência domestica, segundo os registros dos dez primeiros meses de 2015 na Central de Atendimento a Mulher - "Ligue 180". Nas denúncias o maior percentual (49,82%) é de violência física, junto a 30,40% de violência psicológica que ainda divide o ranking com violência moral, patrimonial, sexual e cárcere privado. Nos dados de 2013, mais da metade (50,3%) dos 4.762 homicídios de mulheres, foram praticados por familiares, na sua maioria parceiros, ex parceiros - a cada sete feminicídio, quatro foi praticado por alguém que teve um vínculo afetivo com a vítima. É quase um castigo por amar. Fica forte em meio a esses números a representação da mulher como objeto, de desejo, manipulação, dominação e descarte do homem. Seria a manifestação da força viril como poder masculino ou o medo do homem em assumir uma pretensa fragilidade perante sua "opositora" de gênero, seria uma armadilha do ego, uma camuflagem na insistente representação do homem como o soldado do exército em defesa da masculinidade?

Pensando nessa representação masculina fica no ar um questionamento em relação a formação deste homem, as referências e influencias que o constituiu, já que a mulher tem uma representação preponderante nesta formação, uma vez que, enquanto mãe tem nessa trajetória a responsabilidade de educar este homem para o desempenho de seus papéis sociais. Por que então a mulher educaria o homem para fazer dele seu opressor, por que alimentaria esta distorcida e equivocada soberania masculina? Se os homens são responsáveis por não formar adequadamente seus pares, por alimentarem um imaginário machista e dominador, a mulher também tem uma parcela considerável na construção desta identidade. Assim, parece-nos que educar a mulher é quase que mais necessário e urgente do que qualquer outro movimento. Mesmo pensando nessa educação do homem, ainda está muito presente em nossa sociedade o legado da formação das pessoas na mão das mulheres e é a própria sociedade que se incumbe de também culpar e 'atirar as pedras' na mulher pela má educação. Não é comum ouvirmos entre os xingamentos a expressão "filho do pai". Os apontados como errados são os "filhos da mãe", ou ainda são "os filhos de uma cadela", ou "filhos de uma égua", ou "filhos da puta". Ouço quase que diariamente na escola, quando as crianças brigam, elas gritarem palavras ofensivas para a mãe do outro. 


Que fardo!!! Mas talvez fosse este um fardo imputado à mulher pela própria mulher, o que ela acostumou em colocar em suas costas, como que a reprodução automática da formação de um homem violento, que entende que se fazer valente perante as mulheres é sinal de sua macheza e que mulher, até mesmo a mãe do outro pode ser achincalhada. O que pensar então da formação desta mulher, que constrói a identidade de seu opressor e reproduz a subordinação da mulher, fazendo das 'meninas' figuras frágeis que  facilmente cedem a opressão masculina como se mendigassem pelo seu bem querer?

Temos que pensar a educação da mulher e despertá-la para seu papel na mudança social que queremos em relação a formação de gêneros. Temos que empoderar essa mulher para que ela assuma seu poder transformador. Esse é um movimento urgente mas para o fazermos temos que partir do reconhecimento da nossa identidade, de reconhecer nossa própria formação enquanto mulher e do que já deixamos de legado para os "homens de nossa vida". Como nos formamos? Quais são nossas concepções e como educamos nossos filhos? Questões fundamentais, imprescindíveis e urgentes. A roda precisa mudar seu curso... Que venha essa consciência, que venha esse reconhecimento e que venha o movimento, a ação para a formação
humana se fazer, pela essência humana, sem qualquer apelo ou muleta de gênero que nos leve a ilusão de que somos nós que moldamos o gênero do outro. Não somos de barro e sobre a carne e o osso reina uma mente absolutamente emocional e humana, que transcende o sexo.

¹ Fonte: http://www.compromissoeatitude.org.br/dados-nacionais-sobre-violencia-contra-a-mulher/ 
Imagens: Google Imagens

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