quarta-feira, 12 de março de 2008

EDUCAÇÃO E LIBERTAÇÃO

Falar de Educação e Libertação me faz voltar no tempo, quando fazia minha formação para o magistério e na Pedagogia e fiz minha primeira pesquisa bibliográfica sobre Paulo Freire. Lembro que minha empolgação foi tão grande que comprei três livros dele em curto espaço de tempo. Foi um momento mágico. Me deparar com um homem tão sábio, defendendo idéias que nos remetiam as bandeiras políticas da libertação, da não opressão, da organização social, do saber como maior riqueza e conquista na ascensão social do nosso povo. Não era difícil de se apaixonar. Nas vertentes da social democracia e educação, líamos também Guiomar de Mello, Pedro Demo, ouvimos os discursos do Professor Neidson Rodrigues e tantos outros que foram grandes inspiradores.

Hoje, olhamos para trás e temos vontade de perguntar: em qual momento na nossa caminhada, perdemos nosso rumo, ou onde tropeçamos? O que fizemos até aqui? E são esses questionamentos que nos levam a outros mais: Como retomar nosso caminho e nossos ideais? Quais as pedras que nos entravam e como retirá-las do caminho? Temos conosco um cansaço, uma ressaca, de quem fez muito até aqui, uma sensação de um fazer constante, incessante mas que não nos conforta, fica sempre um vazio e uma incerteza em relação ao caminho que estamos percorrendo. Me pergunto em que momento do caminho nos confundimos? Uma vez que, as nossas convicções, bem como as convicções dos nossos autores e pesquisadores de referência, eram tão claras, que parecíamos ter certeza do caminho. Mas porque não alcançamos a tão almejada justiça social e a cidadania plena dos nossos alunos? Por que toda uma geração parece-nos alienada e tão desestimulada, quando dizíamos que a escola libertaria e contribuiria na produção da sociedade para todos? O que produzimos então? Quem são nossos vilões e por que nos redemos a eles?

Parece que estamos vivemos hoje uma crise de identidades na Educação. Em meio a nossa confusão social: valores distorcidos e até mesmo a total inversão destes, substituição de papeis, famílias excessivamente desagregadas, transferência de responsabilidades, indefinições de competências e outros, nos deparamos com professores que não se identificam mais com a figura do “educador” e alunos sem a identificação com o “ser estudante”. E contraditoriamente, cobramos dos profissionais da educação, que todos são educadores, isto, depois de termos quebrado completamente o status quo deste profissional, fazendo-o despencar de uma posição social de autoridade na nossa sociedade, entre os profissionais de maior prestígio social e conseqüentemente até financeiro para um patamar de emprego, frente de trabalho para muitos, profissão de desgosto para outros e chacota fácil na boca do povo, inclusive dos próprios alunos. Fato este, que rebaixou a posição social do profissional da educação, fazendo cair seu padrão de vida.

Os alunos, hoje “freqüentadores” de aula, não se portam como estudantes, dificilmente se concentram nas tarefas em casa ou nos estudos diários. Dividem sua atenção com os atuais sistemas de comunicação e informação, com a tecnologia, ou com a simples tarefa de estar ocioso, mesmo com tanto a fazer. Os alunos atualmente, têm sede de informação rápida, resumida, compacta e se puderem se ocupar somente no horário da escola, é o que preferem, sendo que mesmo assim, a concentração e dedicação nas aulas, não são satisfatórias. Nos rendemos a uma sociedade e fazeres minimalistas, e nos contentamos com a média, sejamos professores ou alunos.

O resultado visível de tudo isso, aparece na rotina de vários professores que muitas vezes, em meio a uma jornada tripla de trabalho, não conseguem se organizar com suas tarefas e materiais , não estudam, não preparam suas aulas, não têm planejamento e ainda acabam por descontar suas mazelas, desânimo, descrença, frustrações e mágoas em quem não deveriam: no aluno.

E muitos desses alunos, que não mais estudam, insistem em dizer que querem o mais fácil na escola, ironizam, testam o tempo todo a paciência do professor, não o respeitam, como também não respeitam os pais ou qualquer hierarquia familiar ou social. Dizem não terem perspectiva sobre o que querem, parecem que não importam em aprender, tentam ganhar o mínimo de nota, nivelam tudo por baixo, não sabem o que querem, não conseguem mais se organizar produtivamente nos grêmios e muitas vezes, não sabem como conversar e nem com quem conversar na escola diante dos seus problemas. O que eles fazem muitas vezes, é se omitirem, se calarem e se ausentarem das aulas, fugindo dos problemas.

Todos os outros profissionais da escola, parecem ter no comportamento, um desdobramento desta questão básica de identificação dos professores e dos alunos. Para a família é destinado um grande discurso de culpa. Culpa que a escola a imputa, que a sociedade lhe aponta e a culpa que ela mesma lhe impõe, assumindo um fracasso até mesmo antes do filho nascer e crescer. Ficamos em meio a um jogo onde transfere-se culpas e responsabilidades: da família para a escola, da escola para a família, dos profissionais para os órgãos governamentais e destes para os profissionais, sem contar o que ainda reflete das outras instituições sociais.

Mas as grandes questões nas quais insisto são: e as nossas crianças, como e onde estão as nossas crianças? E o nosso sonho de liberdade, a nossa educação libertadora? E a produção da sociedade justa, plena, do direito pleno do cidadão, o tão anunciado: exercício pleno da cidadania? Será que lembraremos das idéias de Paulo Freire como idéias que temos que retomar, ou será que nunca concebemos, compreendemos e vivemos verdadeiramente essas idéias? Será que o nosso tempo para compreender esses pensadores era maior do que imaginávamos e só agora, depois de tanta confusão e desencontros, vamos nos encontrar, compreender e praticar essas idéias? Será que estávamos no caminho e nos perdemos, sem percebermos ou alguma avalanche de pedras nos interrompeu e ainda estamos desbloqueando a estrada, nos livrando das barreiras para que possamos seguir em frente?

Talvez seja uma a resposta, ou talvez estejam todas as respostas contidas numa única certeza. A certeza de que muito temos a fazer, que a nossa responsabilidade é muito grande e que seja lá qual for o motivo, ou quem quer que seja que sabotou nossa caminhada e nos fez confundir nossos passos, está em nossas mãos a retomada do caminho, com a plenitude, com a consciência, com a força e a certeza de que somos educadores e de que a educação constrói, liberta, inclui e humaniza as pessoas e só isso nos faz crescer e desenvolver.


Claudia Conte dos Anjos Lacerda
Pedagoga, Diretora Educacional na
SRE-Leopoldina-SEE/MG

Agosto de 2005

Um comentário:

Anônimo disse...

A curiosidade e a trnasgressão levam à liberdade e à evolução (não sem cobrar um preço). E é o que tem que ser pago, já que compramos isso de sermos educadores.

"Et quae tanta fuit Romam tibi causa videnti ?”
“Libertas, quae sera tamen, respexit inertem,
(Candidior postquam tondenti barba cadebat,
Respexit tamen et longo post tempore venit,
Postquam nos Amaryllis habet, Galatea reliquit.”)."

Parabéns pelo texto e sucesso com o novo espaço.
Sergio 18